VISÃO GERAL DO FÓRUM - por José Arbex Jr. Caros Amigos - Especiais: http://www.ecomm.com.br/carosamigos//outras_edicoes/edicoes_especiais.asp Especial do Fórum Social Mundial: http://www.ecomm.com.br/carosamigos//outras_edicoes/edicoes_especiais/forumsocial.asp Revista Caros Amigos: http://www.carosamigos.com.br/ ------------------------------------------------------ Fórum Social Mundial UM "NOVO ESPÍRITO DEMOCRÁTICO" O fórum, da abertura ao encerramento José Arbex Jr. "Um outro mundo é possível", dizia o lema do Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, entre 25 e 30 de janeiro de 2001, no mesmo período em que os banqueiros discutiam, em Davos, Suíça, a melhor forma de manter o mundo tal como está. Porto Alegre foi alegremente "invadida" por representantes de 122 países, incluindo 3.700 delegados (dos quais, 1.502 eram estrangeiros), por outros 16.000 militantes de movimentos sociais, ONGs, partidos e grupos estudantis, além de "turistas" e de cerca de mil jornalistas que cobriram o evento (pelo menos, trezentos do exterior). Os debates foram organizados em dezesseis mesas-redondas e quatrocentos grupos de discussão que contaram com a contribuição de intelectuais e ativistas de renome internacional - da "madre de la Plaza de Mayo" Hebe Bonafini a Ahmed Ben Bella, líder da Revolução da Argélia. A pauta foi formada por dois grandes temas, riqueza e democracia, desdobrados em quatro eixos que orientaram o conjunto das discussões: 1. a produção da riqueza e a reprodução social; 2. o acesso às riquezas e a sustentabilidade; 3. a afirmação da sociedade civil e dos espaços públicos; 4. poder político e ética na nova sociedade. Se um outro mundo é possível, o fórum de Porto Alegre foi um marco na luta pela sua busca. Aplausos, balé e passeata Logo na abertura dos trabalhos, às 15 horas do dia 25, o superlotado salão principal da PUC-RS quase veio abaixo quando foram anunciadas, entre todas, as delegações do Brasil, de Cuba e a do MST. A nota negativa foram as vaias à delegação dos Estados Unidos, como se ela representasse a Casa Branca! Após os habituais discursos de saudação, feitos pelo governador Olívio Dutra, pelo prefeito Tarso Genro e pelos integrantes da comissão de coordenação do fórum, os participantes foram brindados com uma bela coreografia afro-hispânico-brasileira. Em seguida, uma passeata de 20.000 pessoas desafiou um calor insuportável (ao longo da semana, a temperatura média certamente superou os 30 graus, agravados pela umidade do ar) e percorreu as ruas de Porto Alegre, detendo-se diante de uma loja McDonald's e de uma agência do Banco Santander, demonstrando, esponta-neamente, os sentimentos antiimperialistas. A passeata acabou 5 quilômetros depois, na praça do Pôr-do-Sol, onde ficaram os acampamentos de estudantes, de grupos indígenas e de muitas ONGs. Ali seriam realizados shows e festas todas as noites. Um grupo de estudantes da Unicamp montou, no local, uma transmissora de rádio que funcionou durante toda a semana, como eles mesmos relatam, nesta edição. Lugar para a "heterodoxia" Os grupos de debate incluíram temas que, normalmente, são considerados "marginais": discriminação de gênero e raça, questões culturais (como o problema da preservação das culturas regionais e indígenas em oposição à tendência "uniformizadora" da globalização) e proteção ao meio ambiente. Por exemplo, participaram do fórum pelo menos sessenta grupos de mulheres, em sua grande maioria de origem latino-americana, indígenas e camponesas, que organizaram oficinas sobre violência doméstica, sexismo e desigualdade de salários e direitos. Havia uma compreensão generalizada de que cada um desses problemas "setoriais" só poderia ser corretamente analisado e resolvido no quadro de uma luta mais ampla contra o neoliberalismo. É claro que houve falhas, a começar do fato de a comissão organizadora esperar um número muito menor de participantes e de jornalistas. Grupos de representantes do movimento negro, por exemplo, acusaram os coordenadores do evento de terem dado pouco destaque ao problema do racismo. A professora brasileira Regina Festa, que participou de uma mesa sobre democratização dos meios de comunicação (e autora de um dos artigos apresentados nesta edição), acredita ser necessária a convocação de um fórum mundial só para discutir esse tema. Mas os problemas não obscureceram a riqueza de reflexões e informações que foram trocadas - da resistência democrática ao poder das corporações, estimulada pelas emissoras públicas de rádio e televisão nos Estados Unidos, à luta dos camponeses de uma pequena comunidade da Índia, que ganhou uma dimensão simbólica nacional. O "sabão" em George Soros É inegável que o debate em Porto Alegre produziu impacto mundial. Não por acaso, quatro integrantes do 30¼ Fórum Econômico de Davos, entre eles o especulador George Soros, viram-se moralmente compelidos a participar, em 28 de janeiro, de uma teleconferência de noventa minutos com doze representantes de Porto Alegre. Em um momento memorável da teleconferência, Soros foi diretamente atacado por Hebe Bonafini: "Falo em nome de milhões de mães. Elas não sabem onde fica Davos nem Porto Alegre, mas seus filhos morrem, diariamente, como conseqüência da política econômica aplicada por gente como o senhor Soros. Os senhores são monstros, são assassinos, e é por isso que os odiamos. Espero que algum dia, senhor Soros, quando o senhor se olhar no espelho, a superfície não reflita a sua face, mas sim os rostos dos milhões de crianças mortas como conseqüência de seus jogos especulativos". O impacto foi também admitido, de maneira tortuosa, pelo governo brasileiro. Às vésperas da abertura do evento, o presidente Fernando Henrique Cardoso deu, sem querer, uma grande visibi-lidade ao fórum, ao criticar a sua realização. Segundo ele, o evento estaria custando caro aos cofres públicos. É hilariante, quando se considera que o governo gaúcho (estadual e municipal) gastou, no máximo, 900.000 reais, isto é, 0,025 por cento dos 18 milhões de dólares (ou 36 milhões de reais), em dinheiro público que o filho de FHC pagou para "mostrar o Brasil" na Feira de Hannover, e sem levar em consideração o fato de que, com o fórum, Porto Alegre certamente arrecadou, em impostos e turismo, mais do que gastou. Mesmo a mídia nacional foi obrigada a se render às evidências, dedicando muitas páginas e tempo de televisão ao evento, ainda que, para variar, tenha feito uma cobertura pífia e preconceituosa, mais preocupada com fofocas do que com refletir a riqueza dos debates. Grande parte das reportagens foi dedicada à figura do agricultor francês José Bové, apresentado como uma espécie de animal "radical" e exótico. Foi a maneira encontrada de não cobrir nada sobre o fórum, fingindo estar cobrindo tudo. As razões do impacto Há uma boa explicação para o impacto provocado pelo fórum. De um lado, ele é resultado das "condições objetivas" construídas pela crise global do neoliberalismo. Após duas décadas de aplicação das políticas preconizadas pela simpática dupla Reagan-Thatcher, o mundo viu aumentar vertiginosamente o processo de concentração de riquezas, a miséria e a exclusão social. De outro lado, a esquerda, abalada pela queda do Muro de Berlim, já reúne as "condições subjetivas" para propor alternativas à "globalização" do capital. Essa capacidade crítica e analítica é o resultado acumulado de um intenso e não raro penoso processo de mobilizações, incluindo as experiências do movimento dos zapatistas, do MST, da guerrilha colombiana, das manifestações e encontros de Berlim (1994), Belém (1999), Seattle e Praga (2000). Essa trajetória é analisada, nesta edição, por Osvaldo León, diretor da Agência Latina de Informação e membro da Via Campesina. Desse quadro emerge o fato central: as forças de esquerda recuperaram sua iniciativa, sua capacidade teórica de destruir as bases do "discurso único" e de propor políticas concretas. Mas a expressão genérica "forças de esquerda" não pode nem deve encobrir as importantes divergências ideológicas que se desdobraram no interior do próprio fórum, bem como aquelas que fizeram com que vários grupos de esquerda se recusassem até mesmo a participar do evento. Críticas da "esquerda" e da "direita" Grosso modo, a crítica "à esquerda", feita principalmente por grupos anarquistas e trotskistas, considera que o fórum não passou de "festa", capitaneada pelos setores mais "reformistas" do PT e dos socialistas franceses - aqueles que não querem acabar com o capitalismo, mas sim torná-lo mais apetecível. A própria realização do fórum teria sido uma tentativa de "capturar" a esquerda para a esfera de influência do capital, propondo o canto de sereia de uma "globalização com face humana" (daí Davos ter topado a teleconferência). A crítica à direita considera que o fórum se mostrou incapaz de propor alternativas concretas ao modelo neoliberal. Seus participantes se limitaram a formular propostas que não conduzem a lugar algum, como a moratória ou a suspensão do pagamento da dívida externa, colocando-se fora do jogo estabelecido pelo mercado. O fórum, portanto, seria apenas uma festa de fogos de artifício e nenhuma conseqüência. Entre uns e outros, o conteúdo das discussões travadas no interior do fórum afirmou, em geral, concepções ideológicas antiimperialistas e favoráveis à instauração de regimes democráticos e populares. Mas não estabeleceu, claramente, um caráter anticapitalista. Como disse, em entrevista a Caros Amigos, o padre e sociólogo belga François Houtart, é verdade que o fórum foi marcado por divisões ideológicas, mas isso apenas realça a necessidade de um palco democrático de debate entre as mais variadas correntes antiimperialistas. Democrático, antiimperialista, popular O fórum foi, de fato, uma nova demonstração do caráter pluralista e democrático que tem caracterizado as mais recentes manifestações contra o imperialismo. Foi, precisamente, esse "novo espírito democrático" que permitiu reunir, no mesmo espaço, um amplo espectro de forças, dos mais "reformistas" aos mais dispostos à "ação direta" contra o capitalismo. Um exemplo de convivência demo-crática foi a atitude do fórum em relação à ocupação simbólica, feita pelo MST, de uma fazenda da Monsanto, no município de Não-Me-Toque. A ocupação, que contou com a participação de Bové, é relatada, nesta edição, por Miguel Stedile. Ninguém no fórum entendeu a atitude do MST como de "desafio" ou de "provocação", como um gesto que teria ferido o consenso mínimo que permitiu a realização do evento. Ao contrário. Tão logo se espalhou a notícia da detenção de Bové pela Polícia Federal, e da ordem de sua expulsão do Brasil como conseqüência da ocupação em Não-Me-Toque, houve uma imediata reação de todos os participantes, que passaram a exibir faixas e cartazes em que diziam "somos todos José Bové." Conclusões e novas propostas Após os cinco dias de debates, o fórum de Porto Alegre foi encerrado sem declarações bombásticas. Sua carta conclusiva (cuja íntegra se encontra na página 28) é, antes, um chamado à mobi-lização. Convoca nova sessão do fórum para Porto Alegre, sempre em datas coincidentes com as de Davos, mas abre a perspectiva de que se multipliquem "minifóruns" em todo o mundo. A idéia é transformar a preparação dos fóruns em eixos de organização de lutas de massa, de tal forma que as reuniões anuais sejam apenas um momento de aglutinação e organização de um processo muito mais amplo, abrangente e profundo. Para dar sustentação orgânica a esse processo, a comissão coordenadora pretende lançar, em abril, uma "carta de princípios" que vai nortear as ações de um comitê nacional. Esse comitê terá como principal objetivo manter ativa uma rede de relacionamento nacional e internacional com os movimentos sociais, partidos políticos, ONGs e todos os que se associarem à luta contra o imperialismo. Em junho, deverá ser realizada uma plenária internacional de coordenação, para dar seqüência a todos os pro-cedimentos. O fórum de Porto Alegre foi um evento importante. Indepen-dentemente das divisões ideológicas - e talvez até estimulado por elas -, ele anuncia um novo momento de vigor crítico e organizativo da esquerda internacional. Contra a ordem engessada e bruta do neoliberalismo, uma nova brisa de esperança democrática, fresca e leve, anima os movimentos sociais e populares, em todo o planeta. Já não era sem tempo! José Arbex Jr. é jornalista. http://www.ecomm.com.br/carosamigos//outras_edicoes/edicoes_especiais/arbex.asp Caros Amigos - Especiais http://www.ecomm.com.br/carosamigos//outras_edicoes/edicoes_especiais.asp Especial do Fórum Social Mundial: http://www.ecomm.com.br/carosamigos//outras_edicoes/edicoes_especiais/forumsocial.asp Revista Caros Amigos: http://www.carosamigos.com.br ++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++ MORE: http://midiaindependente.org http://www.forumsocialmundial.org.br http://www.ciranda.net http://www.juventudefsm.org